Pode revelar-nos um pouco sobre quem é o Hugo de Moura Flávio?

 

Sou natural de Vila do Conde, e desde pequeno sempre demonstrei particular interesse pelo mundo natural.Aos 14 anos, após ponderar os prós e os contras com os meus pais, decidi optar pelo ensino profissional e tirar um curso profissional em Gestão do Ambiente na Escola Profissional Agrícola Conde de S. Bento, em Santo Tirso. Ainda durante o curso comecei a colaborar com a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), onde mais tarde tirei tanto a Licenciatura em Biologia como também o mestrado em Ecologia, Ambiente e Território.

Após terminar o mestrado, tive a oportunidade de participar num projeto de seis meses na Dinamarca, em parceria com a Universidade Técnica da Dinamarca (DTU). Durante este período surgiu a oportunidade de me candidatar a uma posição de aluno de doutoramento, para a qual fui aceite. Assim, encontro-me hoje em dia a fazer o doutoramento na DTU.


Como é que o Salmão cruzou o caminho do Hugo?

Apesar de ser o tema central do meu doutoramento, o salmão do Atlântico surgiu no fundo como uma oportunidade.No meu período inicial na Dinamarca, para além de trabalhar no projeto central (focado na importância de habitats rochosos marinhos nas zonas costeiras), tive oportunidade de participar em outros projetos paralelos. De entre estes, é de destacar o seguimento de rodovalhos no Fjord de Roskilde, através da implantação de marcas que emitem um sinal acústico e posterior deteção em microfones subaquáticos (hidrofones).O meu atual doutoramento foca-se no seguimento de juvenis de salmão utilizando, precisamente, o mesmo sistema de marcas acústicas e hidrofones. O facto de eu já ter experiência nas técnicas a utilizar e já me encontrar na Dinamarca foram, sem dúvida, fatores decisivos para a atribuição do contrato. 

 

Fale-nos um pouco mais sobre o trabalho que está a desenvolver.

 

O projeto do qual faço parte chama-se SMOLTRACK (www.smoltrack.eu). Neste projeto, estamos a aprender mais sobre os perigos enfrentados pelos juvenis de salmão, quando estes decidem migrar dos rios para o mar (onde irão crescer até adultos e depois voltar). Atualmente fazem parte deste projeto a Dinamarca, Espanha, Inglaterra, Irlanda do Norte, a República da Irlanda e a Suécia.Em todos estes locais, quando começa a descida do salmão (normalmente entre a segunda metade de Abril e Maio), nós marcamos alguns dos peixes e seguimos o seu progresso até ao mar.

Dos peixes marcados que não chegam ao mar, alguns simplesmente desaparecem, o que é sinal de terem sido comidos por alguma ave ou mamífero (que levou a marca acústica consigo), outros começam a mover-se de formas inesperadas, indicando que foram comidos por um peixe maior, e outros acabam por ficar parados sempre no mesmo local, o que pode indicar tanto predação como morte por outra causa.Este trabalho permite-nos não só perceber qual a percentagem de peixes que realmente chega ao mar, mas também identificar zonas de mortalidade elevadas, e quais os motivos por de trás dessa mortalidade. Isto permite-nos, em conjunto com os gestores de cada rio, elaborar planos de gestão que visam otimizar a sobrevivência destes juvenis enquanto migram para o mar. Conseguir um aumento no número de juvenis que chegam ao mar é muito relevante, porque tem um efeito direto no número de peixes adultos que voltam ao rio passado um ou dois anos.

 

Pode explicar-nos que desafios particulares enfrenta a população de salmão do Atlântico do rio Minho?

Um dos rios que faz parte do programa SMOLTRACK é, precisamente, o rio Minho. Em parceria com os nossos colegas galegos, temos trabalhado no sentido de perceber quais os perigos enfrentados por essa população. A população de salmão do rio Minho é particularmente interessante, porque se encontra na borda sul da distribuição natural desta espécie a nível global. Assim, esta população será a primeira a sofrer os impactes do aumento das temperaturas globais. A temperatura da água tem um efeito crucial no desenvolvimento dos embriões de salmão. Em situações normais, os adultos poderiam deslocar as zonas de desova para zonas mais a montante (onde a água é fria), mas infelizmente os rios tanto em Portugal como em Espanha têm várias barreiras artificiais. Dado que os salmões do rio Minho não podem subir o rio Minho em si devido a estas barreiras, é importante perceber que outros rios mais pequenos poderão ser recuperados e utilizados para manter a população de salmão estável.

Para além disto, o rio Minho, sendo internacional, proporciona dificuldades de gestão particulares (uma vez que implica acordos entre dois países). Por exemplo, no rio Minho é permitido o uso de equipamentos de pesca que são proibidos noutros locais. Isto implica que, tanto ao descer o rio enquanto juvenis, como ao voltar enquanto adultos, os salmões do Atlântico que compõem a população do rio Minho encontram-se numa situação de risco acrescido, em comparação com outros rios da Europa.

Existem também outros riscos, não tanto característicos da população do rio Minho, mas enfrentados pela espécie na sua distribuição em geral. Um bom exemplo é o crescimento descontrolado de espécies predadoras (invasoras ou não), como o corvo-marinho. Quantos mais predadores existem numa determinada área, maior a probabilidade dos juvenis serem comidos antes de chegarem ao mar. Mas esta é sempre uma questão complicada, porque não é fácil decidir atribuir mais valor a uma espécie que a outra, e diferentes grupos sociais entram facilmente em conflitos difíceis de resolver quando se coloca a questão de regular uma espécie para melhorar a condição de outra.